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Pássaros de verdade, sem figura de linguagem!


A proximidade do outro é significância do rosto.

Emannuel Lévinas

Para Kátia Alexandria Barbosa, uma amante das liberdades...

Cercear liberdades é crime! Seja pelo imperativo político de um regime ditatorial ou pelo imperativo ideológico ou pelo imperativo do “saber” ou pelo imperativo de gênero! Aliás esse modo verbal pode ser criminoso! Ordenar o que quer que seja é perigoso! Muitas vezes ordenamos porque somos ordenados a ordenar e isso é um imperativo da língua!

“A língua é fascista” como disse um dia Roland Barthes. Muitas vezes queremos ordenar porque também isso é da “ordem” do humano. Ordenar enseja poder! “Empoderar” é ter poder! Na maioria das vezes tomando-o do outro! Para poder ter controle sobre o outro sem considerar a sua existência. Por isso não sou a favor de “empoderamentos" insanos. Talvez seja “romântica” demais para ainda acreditar na importância do diálogo. Diálogo pressupõe lugar de fala e, sobretudo, de escuta.

Sei que é muito difícil não entrar na “ordem dos discursos”, mas quando há outras saídas e um óculos disponível e você não quer pensar na possibilidade de outros caminhos e pontos de vista, está fadado a “empoderar-se” cegamente e jogar o jogo do poder sem limites. Os limites são importantes! Coibir pulsões é muito importante para que a civilização exista. Controlar o esfíncter é importante mas é imperativo. Obrigar a controlar é um imperativo do imperativo. Muitas vezes terrível e de consequências irreversíveis.

Traduzir esses imperativos em uma peça não é uma tarefa fácil. Corre-se o risco de cair no precipício dos excessos. De cair na areia movediça do histrionismo e da caricatura. Enfim… Eu não sou de fazer elogios gratuitos… só consigo fazer elogios quando, para mim, um trabalho é merecedor de um… E o elogio de hoje vai para “Os pássaros de Copacabana” com direção e dramaturgia de Gil Vicente Tavares e no elenco um ator/jogador incrível, Marcelo Praddo.

Assisti ao espetáculo no dia 2 de abril de 2017. Um domingo chuvoso e triste. Eu estava muito sensível porque nesse dia havia me despedido de uma grande amiga que voou para um mundo invisível como um pássaro liberto... "É difícil, mas também é lindo" disse sobre esse momento uma pessoa que eu gosto muito (e ela não sabe o quanto!). Ao lado da tristeza há de se encontrar a beleza. Assim eu estava nesse dia... triste mas arrebatada pela beleza de um teatro tão singular. Só para alimentar mais esse parágrafo cito um escritor português Valter Hugo Mãe: “A felicidade podia acontecer num ínfimo instante, ainda que a fome se mantivesse e até a sentença para sofrer.”

“Os pássaros de Copacabana” é uma figura de linguagem para os “empoderados” homofóbicos que violentavam as travestis de Copacabana, pois na época surgia “Os pássaros” [1963] filme de Hitchcock. As aves atacavam as pessoas! As aves “empoderadas” como “empoderados” eram [e ainda são!] os agentes da ditadura de 1964 [2016]!

Para mim a peça é uma ode às liberdades!! À nossa liberdade de ir e vir, à liberdade de e do ser, à liberdade de expressão… ainda que dentro do limite do civilizado, respeitando a existência do outro, de um outro corpo, de uma outra língua, de um outro saber! Nem preciso reproduzir a sinopse… essa peça tem muitas camadas, metáforas e nuances… só assistindo para sentir o impacto… é necessário ir ao teatro para ver!

Em uma metalinguagem, nessa peça Gil consegue reger uma orquestra sem imperativos. Todos os elementos da cena dialogam. É muito bonito ver isso! Há muito tempo não vejo um espetáculo que prima pela minúcia, pelo detalhe, pela sutileza e pelo diálogo. É um monólogo, mas o diálogo faz a diferença! Todos se comunicam porque ouvem-se uns aos outros! Há escuta! Um ator que faz até da sua técnica uma aliada voa como um pássaro de verdade, sem figura de linguagem… todos conseguem voar e por isso a peça também alça voos memoráveis como um pássaro de verdade, sem figura de linguagem...

Em tempos sombrios como o que estamos vivendo, com tantos se digladiando em busca do controle, de um poder soberano, empoderamentos irracionais, essa peça nos convoca a olhar o outro nos olhos e vê-lo existindo em sua diferença! Obrigada, Gil! Tenho certeza que sua mãe fez e faz parte dessa orquestra! Como regente do regente! Ela era a própria liberdade mesmo presa em um corpo que a cerceava… Uma aquariana que vivia voando como um pássaro de verdade, sem figura de linguagem… seja atravessando o mar de Moreré ou a floresta do Bate-Folha… Um pássaro com asas potentes que agora voa livre para além do infinito…

E para não deixar de usar um imperativo... Voemos, nós!

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