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Matheus Nachtergaele, a sua peça é triste e necessária!


Grandes

Grandes, na verdade, são os prodígios do tempo...

Tempo de imensidões várias, párias e fratrias

Tempo de rotações corsárias, alimárias e árias

Grandes, na verdade, são os milagres do tempo...

Grandes, na verdade, são as orações primárias...

Operárias de pequenos pássaros atrás de alimento

Operárias de pequenos homens atrás de ornamento

Grandes, na verdade, são as crianças imaginárias...

E o resto é o silêncio da sombra que caminha

Um pobre ator que graceja em cima do palco

Ser ou não ser, eis a questão que se adivinha

Em fúria o artista borra co'a tinta para o alto

A história contada pelo Idiota da escrivaninha

E transforma em canto o pranto do som incauto

Cristina Leifer, agosto de 2012!



Sim, é uma peça triste! Depois de assistir ao espetáculo, chorei e refleti muito sobre o mundo, as pessoas e principalmente sobre a minha vida e as minhas relações pessoais... Assisti à peça no sábado e durante todo o dia seguinte uma melancolia ficou pairando no ar... uma melancolia necessária... imprescindível... acompanhada de uma angústia sem nome... muitas vezes o choro surgia sem avisar... assim foi o meu domingo...


Sim, Matheus trouxe-me a bela tristeza... Sim, ela pode ser bela... Ao final do espetáculo, espontaneamente, ele veio até mim, beijou-me a face e, literalmente, pintou-me com a sua tinta amarela... Esse ato fez-se mistério para mim... Matheus pintou-me com seus traços tristes... E fez-me lembrar do soneto acima, escrito no ano da morte do meu pai... O ano que meu pai caiu nos meus braços literalmente... um súbito enquanto eu dirigia um carro.. estávamos eu e ele apenas... E o beijo de Matheus... E meu pai... E a impotência diante da morte... tudo isso fez-me lembrar desse soneto, cujos versos escrevi pensando na vida e na morte... Versos que se conectam com a peça... Quem sabe teria escrito esse soneto para Matheus Nachtergaele?


Sim, Matheus expôs a sua vida da forma mais simples que se possa imaginar... Não houve autoflagelo... Ele não se cortou, não impôs nenhuma violência ao próprio corpo... Não usou nenhuma pirotecnia corporal... Nem quis fazer militância gratuita de qualquer ordem... Ele simplesmente compôs uma peça pela via da metáfora... Pelos detalhes dos gestos delicados... Uma bela linguagem mediada por palavras e canções... Uma narrativa em poesia, cuja protagonista era a sua mãe, Maria Cecília, autora dos poemas e de um ato que marcou a sua vida para sempre...


Sim, houve violência... mas uma violência que se impôs por meio de uma circunstância trágica provocando o nascimento de um fantasma... um fantasma de uma mãe que se matou com um tiro na boca no dia do seu batizado quando ele tinha três meses de vida... um luto que o acompanha até hoje... ele disse.


Sim, ele se tornou ator. E carrega a noite no nome... Nacht em alemão é noite. Uma herança da sua origem belga, talvez... Sua mãe escrevia versos. Ele leu o diário e os poemas dela. Ele se pergunta: “Esses poemas são meus, mãe?” A essa pergunta ele mesmo responde com esse espetáculo... “Sim, são meus...” Ela e ele, mãe e filho, fantasma e persona, fantasia e realidade... Dois que se implicam... Se multiplicam... Dois que se impõem um ao outro de forma violenta... porém...


Sim, assim estamos todos... Submetidos a esse duplo... A essa violência imposta desde o nascimento... Matheus viveu uma história real, mas a sua/nossa fantasia em torno desse vínculo materno nos lança em uma guerra, entre a pulsão de morte - que pode nos matar em vida [ou definitivamente] nos levando para a paralisia por meio das drogas e dos delírios... - e a pulsão de vida, que nos leva ao nosso desejo... À produção do belo... À arte... Ao amor!


Sim, é uma guerra difícil... Muitas vezes navegamos pela pulsão de vida e morte como um pêndulo... Ora lá ora cá... Muitas vezes a balança pesa mais para um lado ou outro... Assim é a vida... O que importa é trafegar nessa guerra da melhor maneira possível...


Sim, Matheus me deixou uma questão: “como eu estou trafegando por essa guerra?”


Sim, Matheus canta ao final uma música infantil. Começamos a cantar juntos porque a letra está fixada em meu imaginário de criança... mas eis que ao final da letra Matheus nos derruba deslocando o sujeito do verso... Assim ele canta: “pirulito que bate bate/ pirulito que já bateu/ quem gosta dele é ele e quem gosta de mim sou eu”...


Sim, essa é uma peça triste, mas muito, muito, muito necessária! Precisamos de mais peças tristes! Mais peças tristes para aliviar o peso de uma ditadura da felicidade... Mais peças tristes para nos deslocarmos do conforto de uma zona que nos aprisiona... Mais peças tristes para nos jogar na pulsão de vida...


Sim, como podemos ser felizes se já nascemos numa guerra? É muito mais fácil tendermos para a pulsão de morte, com o objetivo de termos instantes de prazer, tomando remédios ou drogas ilícitas ou consumindo o que a mídia nos dita, tudo isso em excesso para impedir a dolorosa pulsão de vida...


Sim, viver dói, mas precisamos dessa dor para nos libertarmos da letargia... Eu acredito ser possível amenizar a dor quando permitimos a sua passagem, tratando-a como uma hóspede... Deixemos ela entrar... Passar alguns dias... Ela vai embora... E vai voltar! Com toda a certeza! Deixemos ela entrar novamente... E novamente... E novamente... Nesse Processo de Conscerto do Desejo... Mas tomemos cuidado, muito cuidado, para ela não fixar residência!



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